Aceitando o mote do Bernardo, em falar - ou invocar a presença que é mais bonito de dizer - de génios, e dado aquele triste lugar-comum de que já não existe semelhante coisa, e outras palermices desse refinado calibre, é a minha vez (parece que sou dos poucos a ainda não ter um "artigo de fundo", por isso cá vai) de invocar a presença de Gerard Grisey. Quem nunca lhe tiver ouvido o nome ou pelo menos "cheirado" uma das suas músicas, não sabe em que planeta vive!
O homem ficou famoso por ter co-fundado, entre outros com Tristan Murail, a chamada escola espectral; aliás, e como sempre, o nosso Grisey não gostava muito da etiqueta, mas já não há nada a fazer. A sua agenda era: recuperação da harmonia, recuperação da ideia de direccionalidade na música (por oposição às formas estáticas então predominantes, glorificadas na Moment-form de Karlheinz Stockhausen) e a investigação no uso ("natural") dos micro-intervalos. O efeito na música europeia (nos últimos anos, também os americanos se têm deixado fascinar, por muito que insultem os franceses acham-lhes sempre um certo requinte, a que eles próprios são alheios, como todos sabem, especialmente os que tiverem lido Oscar Wilde...) foi poderoso (como se diz overwhelming em português?).
A sua obra seminal é Les Espaces Acoustiques, grande ciclo de 6 obras, em formações desde o instrumento solista à grande orquestra. Segue abaixo um vídeo (o próprio vídeo é, reconheça-se, muito... sugestivo...) com os primeiros minutos do Partiels, obra para 18 instrumentistas.
Se esta obra corresponde - quase pedagogicamente - aos propósitos do espectralismo (trata-se no fundo de várias reiterações da série dos harmónicos que, por força da transferência progressiva de algumas notas para registos mais graves, se vai tornando cada vez mais... INARMÓNICO!!!), desde os anos 80 a sua obra evoluiu no sentido de um estilo mais rico, com obras como Talea ou Vortex Temporum, para piano e quinteto, de que segue abaixo um vídeo.
Quase a morrer - deixou-nos em 1998 - faria uma obra-prima para soprano e ensemble Quatre Chants pour Franchir le Seuil. Reflexão sobre a morte, música genial.
Para mais algumas referências (por enquanto fica apenas uma breve introdução a este mestre do harmónico e do inarmónico, haverá provavelmente cenas dos próximos capítulos):
http://brahms.ircam.fr/index.php?id=1492
Daniel
quarta-feira, 11 de junho de 2008
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2 comentários:
Grizey-me, que obra, esta do primeiro vídeo, promete! Tenho que ouvir o segundo com mais atenção; agora é tarde e não tenho headphones... :( Adooooro o espectralismo...e só vi um concerto com uma obra espectral, para aí em 2005, com um amigo, tocada pelo Remix. Era de um holandês (ou holandesa? que carago, não me lembro :S) e também era de 80 e tal. Incrível; para grande ensemble. No fim, fiquei a bater palmas de pé sozinho...lol. Adoro como o timbre é o (único) material de trabalho. Hoje, tantas coisas se podem fazer digitalmente, tantos milhões de sons se podem inventar (tantos deles surgem por acaso, aliás)...acredito sinceramente que o futuro anda por aí!
É mesmo de Grisar. Seria uma finlandesa, a Kaija Saariaho? É outra conhecida espectralóide (ou semi-espectral).
Também acho que o futuro andará por aí (o espectralismo foi seguramente o que de mais importante apareceu nos últimos 30 anos), mas agora já é preciso ir um pouco mais longe; o problema do espectralismo, quando levado demasiado a sério - digamos que se se quisesse continuar a escrever à Partiels - é que corre o risco de se tornar demasiado horizontal, demasiado harmónico, demasiado tímbrico. Falta-lhe polifonia. Falta um génio do nosso tempo que conjuge a harmonia e a polifonia, como o velho João Sebastião fez no tempo dele. Mas o Grisey, acho, já abriu o caminho - esse segundo vídeo, o Vortex Temporum, penso que o prova. É também de grisar...
Uma pequena nota: os acordes arpejados dessa obra, no início (não está no vídeo), fazem lembrar, imagina, a banda sonora do Vertigo do Hitchcock (pelo contorno sobretudo). Será que?...
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