terça-feira, 24 de junho de 2008

Kafka à Beira-Mar


"- Quando estou a conduzir gosto de ouvir as sonatas para piano de Schubert com o volume no máximo. Sabes porquê?
- Não faço ideia.
- Porque tocar uma sonata para piano de Schubert é das coisas mais difíceis. Sobretudo esta Sonata em Ré Maior. É uma peça de grande dificuldade. Alguns pianistas conseguem executar de um modo perfeito um, dois movimentos, mas, na minha opinião, se escutares com atenção os quatro andamentos, verás que nunca ninguém logrou arrancar das teclas a tonalidade certa que a sonata, na sua totalidade, exige. Muitos foram os pianistas famosos que se esmeraram, na tentativa de provar que estavam à altura do desafio, mas é como se faltasse sempre qualquer coisa. Até à data não existe uma única interpretação que te leve a dizer É isso mesmo! Ele conseguiu! Sabes porquê?
- Não.
- Porque esta sonata é, em si própria, imperfeita. Robert Schumann, que conhecia bem as sonatas de Schubert, classificou-a de "divinamente longa".
- Se a composição é imperfeita, como se explica que existam tantos pianistas apostados em tocá-la na perfeição?
- Boa pergunta - diz Oshima. (...)"

- Excerto de Kafka à Beira-mar, de Haruki Murakami

3 comentários:

Daniel disse...

De facto já cá faltava um post literário!... E bela passagem essa, embora perpetue o mito do Schubert como um compositor imperfeito. Bem isso tem dois problemas: um é que se ele é imperfeito, quer dizer que outros são perfeitos, o que é problemático (excepto no óbvio caso do Sr. Ribeiro, mas esse não conta...); por outro lado, essa acusação surge sempre por se querer, à força toda, que as obras do Schubert para os grandes géneros clássicos (sinfonia, sonata, quarteto) sejam perfeitas segundo critérios clássicos (haydenesquecos, mozartanianos ou beethovenianos), quando já são outra coisa. Mas tirando isso, é uma bela passagem literária.

Bernardo Pinhal disse...

Este é um dos livros da minha vida, não sei como me esqueci de o pôr no meu profile! Mas a parte em que falam do trio ao arquiduque de Beethoven, pá...que coisa! E que obra, diga-se de passagem...
Penso que tenho isso em casa tocado pelo Sokolov...vou ouvir com atenção, até porque acho que ainda não ouvi esse cd, e logo vemos se há perfeição ou não! (acredito que, com ele, há certamente).

Abraço.

Bernardo Pinhal disse...
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